É eu fumo, mas quem está com câncer é você.
Com uma sensível diferença, pelo menos para mim.
Esse aqui, eu não procurei.
O título dessa matéria é ONDE HÁ FUMAÇA, HÁ CÂNCER.
Poderia ser, onde há ignorância também.
Um dos mais avançados centros de oncologia do continente, o Hospital do Câncer A.C.Camargo, de São Paulo, trata a doença com as armas mais poderosas que existem – incluindo a agressividade de suas campanhas de esclarecimento. Suas recentes campanhas de prevenção e de desmisti ficação do câncer – moléstia que só este ano deve afetar um milhão de brasileiros, de acordo com a estatística mais realista – procuram chamar a atenção para erros fatais que as pessoas cometem diante desse inimigo tão feroz e insidioso. Tomar sol sem proteção, por exemplo, pode causar o que os especialistas do hospital costumam chamar de “câncer da vaidade”.
Confiar em rezas e chazinhos pode conduzir ao que denominam de “câncer da crendice”. E há também o mais terrível e mais evitável de todos eles: o CÂNCER DE ESTUPIDEZ. Claro, você já adivinhou que estamos falando dos tumores malignos provocados pelo cigarro. Numa entrevista à revista ABCFARMA, o diretor clínico do Hospital do Câncer, o pneumo logista Daniel Deheinzelin, faz uma radiografia do mal causado pelo fumo – e das vantagens de não fumar ou parar de fumar.
A mensagem foi forte: justamente no mês das noivas, maio último, um anúncio da nova campanha do hospital trazia a imagem contra-luz de uma mulher soltando uma baforada com o título “Até que a morte nos separe”. Com o cigarro, não há meias palavras. Ou não se fuma – ou se agüenta as gravíssimas conseqüências. Segundo o dr. Daniel, 35% de todos os tumores malignos são provocados pelo cigarro. Aliás, os números do Hospital do Câncer demonstram que a maior parte dos tumores malignos poderia ser evitada: além daqueles causados diretamente pelo fumo, 15% são provocados pelo álcool e 10% por radiação, inclusive o sol. Outros 15% são produto de alterações genéticas – e no futuro também esses poderão ser prevenidos através de técnicas de engenharia genética. Mas indiscutivelmente não há nenhum fator cancerígeno e tão estúpido quanto o cigarro. Só para ficar no tipo de tumor mais diretamente relacionado ao fumo: dos 20.850 casos de câncer de pulmão previstos para 2001, só 5% dos casos são de pessoas que não fumam. Uma pessoa que fuma até os 70 anos de idade tem 1 chance em 5 de desenvolver um câncer de pulmão. Em outros números: um fumante tem de 30 a 60 vezes mais risco de ter câncer do que um não-fumante. Mas se o não-fumante vive em ambiente onde se fuma constantemente, seu risco aumenta de 2 a 8 vezes – o chamado fumo passivo é um fator de risco bastante forte.
UM VÍCIO PRECOCE
Em suma: só mesmo um estúpido – como insinua o mote da campanha – poderia ignorar o mal que o cigarro faz (isso sem falar em outras doenças além do câncer, como infarto, derrames, impotência, enfizema pulmonar etc). Por que então as pessoas ainda fumam? Pior: por que tantos adolescentes estão começando a fumar tão cedo? Segundo o dr. Daniel, não adianta apenas dizer ao fumante que o cigarro faz mal. Ele sabe disso, mais do que ninguém. O problema foi ter começado a fumar, pela força da propaganda – e aí é difícil, muito difícil, parar. “Tantas informações terríveis sobre o cigarro não tem poder de mudar o hábito do fumo”, lamenta ele. E não é para menos. O cigarro contém algumas das substâncias mais viciantes conhecidas pelo homem – sobretudo a nicotina. Em seu trabalho na Casa de Detenção, o dr. Dráuzio Varela costuma atender detentos com problemas pulmonares que cheiram cocaína, fumam crack e...cigarros. É dever do médico tentar convencer esses pacientes a parar com todos esses hábitos.
Um mês depois, o médico volta a ser encontrar com o doente prisioneiro. E é comum ouvir lamentos deste tipo: “Dr., consegui parar com a cocaína, estou quase deixando o crack. Mas o cigarro que está pegando...”. Isso só demonstra o poder de causar dependência que o cigarro tem. Daí a propaganda das indústrias de tabaco.
O alvo principal das publicidades de cigarro são jovens entre 15 e 20 anos e ex-fumantes – que têm potencial para voltar ao vício durante pelo menos nove anos após abandonar o cigarro. Não é à toa que o Ministério da Saúde tem feito uma campanha vigorosa contra a propaganda de cigarro, não apenas banindo a veiculação de mensagens na TV como exigindo que os fabricantes alertem para os perigos do fumo nas próprias embalagens dos cigarros. Parar de fumar, porém, é sempre um problema de foro íntimo e de força de vontade.
UM VÍCIO INSTANTÂNEO
É certo que as pessoas que começam a fumar têm plena consciência dos malefícios do fumo, mas nem sempre têm idéia de que o hábito vicia tanto – e tão rapidamente. “Não vou ficar viciado”, costumam dizer os novatos. Mas, segundo o dr. Daniel, a dependência é desenvolvida de maneira fulminante. “Em duas semanas, em geral, os novos fumantes passam a apresentar um comportamento de vício, isto é, já procuram ativamente a substância”, diz o médico. E o vício não é apenas do tipo químico, mas também comporta mental. O vício engloba o prazer, a a recompensa, o gestual. No fundo, o que mais vicia não é a nicotina, mas o hábito. Daí a dificuldade de parar. Mas os efeitos benéficos de se abandonar o fumo são sempre muito compensadores. O ex-fumante sente logo uma melhora dos sintomas e da capacidade respiratória, em virtude da reversão do processo inflamatório dos brôn quios. O processo de destruição é interrompido ou segue mais lentamente. Mas o que já foi destruído não tem volta. Segundo o diretor clínico do Hospital do Câncer, se, num passe de mágica, o mundo parasse de fumar, teríamos pessoas doentes, pela ação do cigarro, até o ano 2050. E não estamos falando apenas do câncer, mas de outras doenças respiratórias, como o enfizema pulmonar. Cerca de 98% dos enfizemáticos são fumantes – e essa moléstia, em cinco anos, mata mais do que os linfomas. E também não estamos falando apenas em dano pulmonar. O câncer de bexiga, por exemplo, é fortemente influenciado pelo cigarro, que afeta um gen responsável pelo desenvolvimento da moléstia. O câncer de boca, igualmente, tem um fator carcinogênico ligado ao hábito do fumo. A fumaça chega à boca a nada menos do que 300 graus.
CÂNCER DE PULMÃO: QUANTO MAIS CEDO MELHOR
Uma campanha agressiva como esta do Hospital do Câncer tem dois objetivos essenciais: alertar contra as formas de câncer que podem ser evitadas e, em outro plano, estimular a detecção precoce. Há uma regra básica fundamental no tratamento do câncer: quanto mais cedo for descoberto, maior a possibilidade de cura. Com isso, o Hospital também pretende desmistificar a doença como “coisa ruim” ou sentença de morte. Com os recursos atuais, fazendo a média de todos os casos que chegam ao Hospital A.C. Camargo, a taxa de cura do câncer chega aos 65%. “Entre os 5.500 novos casos que detectamos e tratamos a cada ano, dois terços conseguirão viver sem a doença nos cinco anos seguintes ao tratamento”, explica o dr. Ricardo Brentani, Presidente da Fundação Antonio Prudente e do Hospital do Câncer. Completa o dr. Daniel: “É preciso sempre reforçar a idéia de que o câncer não é um castigo, mas, na imensa maioria dos casos, o resultado de um estilo de vida nocivo”. No caso do câncer de pulmão, esse estilo de vida – o hábito do fumo – produz um agravante ainda mais dramático. Cerca de 60% dos casos só chegam a um hospital especializado quando o tumor já é inoperável. Contribui para isso o fato de o câncer de pulmão ser freqüente mente uma doença a princípio silenciosa. Mas há pacientes que convivem longos meses com os primeiros sintomas – tosse prolongada, emagrecimento – e só então pedem ajuda. A melhor terapia, nos casos iniciais, é sempre a cirurgia. E os índices de cura estão avançando.
Nos anos 90, entre os pacientes que procuraram tratamento bem no começo da doença, cerca de 80% estão vivos e sem sinal da doença – graças a uma abordagem multi disciplinar, envolvendo cirurgia, novos quimioterápicos e controle de metástases. Esse número foi extraído de um estudo recente do Hospital do Câncer, com 840 doentes, dos quais 88% eram fumantes ativos e 2%, fumantes passivos. Os índices de cura desse centro de excelência estão acima da média de outras instituições, mas mesmo ali só 23% dos casos são descobertos precocemente.
É POSSÍVEL PARAR
Os especialistas sabem que, para a maioria dos fumantes, é muito difícil abandonar o fumo sem alguma forma de apoio. O Hospital do Câncer mantém um grupo de apoio para pessoas que desejam parar de fumar e, num estudo recente, concluiu-se que apenas 25% estão livres do vício um ano depois de largar o primeiro cigarro – o que mais uma vez demonstra a malignidade e o poder de dependência do fumo.
A maior taxa de sucesso está entre os fumantes que efetivamente querem parar, que fumam menos de um maço por dia, que têm um parceiro que reclama do fumo e que já têm alguma dificuldade respiratória. De qualquer forma, o Grupo de Apoio ao Tabagista, o GAT, é mais uma iniciativa vitoriosa do Hospital do Câncer. Segundo a psiquiatra Maria Teresa Lourenço, responsável pelo GAT, acha que aquele índice ainda pode ser melhorado. As armas são sessões semanais de psicoterapia, antide pressivos e gomas de mascar ou adesivos com nicotina. Mais informações sobre o GAT pelo telefone (0xx11) 3272-5000.
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