A solução encontrada pela professora foi fazer uma festa de “despedida do cabelo”. Vinte amigos íntimos e familiares foram convidados para a comemoração, realizada no jardim da casa de Debbie. Como sabia que faria quimioterapia e que seus cabelos cairiam, a ideia da professora era criar nos filhos uma impressão positiva em relação à sua futura aparência. “Achei que, se minhas crianças vissem que todos meus amigos achavam ok o fato de eu estar careca, elas também encarariam isso tranquilamente”, afirmou Debbie à publicação mensal do Juravinski Cancer Centre Foundation, organização canadense voltada à pesquisa sobre câncer, onde a professora fez o tratamento.
Uma das convidadas foi a fotógrafa Sophie Hogan, amiga de Debbie. Todos os momentos da “festa da careca” foram registrados. Shawn, Emmet e Haydn entraram na brincadeira e também passaram a máquina na cabeça. A família inteira deu adeus aos cabelos. Ao ver as imagens, ela teve uma ideia: se as fotografias ajudariam seus filhos a lidar com o tratamento, elas também poderiam ser úteis a outras crianças que passam pela mesma situação. Na hora, resolveu escrever um livro infantil sobre a fase que enfrentava. Foi assim que surgiu Aonde foi parar o cabelo de mamãe? A jornada de uma família no combate ao câncer, editado no Brasil pela Callis.
Debbie e Sophie passaram a registrar todo o tratamento. Mesmo no hospital, fazendo exames ou quimioterapia, ela era clicada. Para falar com o público infantil — com o qual está familiarizada, já que trabalha com turmas de alfabetização —, a escritora optou por narrar sua trajetória sob a perspectiva dos dois filhos. Quando terminou o tratamento quimioterápico, Debbie fez outra festa. Desta vez, para comemorar a volta do cabelo. É uma história com final feliz.
Foi por acaso que a coordenadora editorial da Callis, Miriam Gabbai, descobriu o livro de Debbie Watters. Ela tinha uma visita marcada com um editor que se atrasou e resolveu olhar as publicações da editora ao lado. “Me deu um nó na garanta. Comecei a pensar como devia ser difícil para a criança saber que os pais estão com câncer. Eu nunca tinha parado para pensar sobre isso”, conta. Mesmo achando que seria complicado comercializar o livro, ela resolveu trazê-lo para o Brasil. “As pessoas ainda têm muito preconceito com o câncer, evitam até falar o nome da doença”, diz Miriam. “Mas resolvemos dar a elas essa opção, uma sugestão de como tratar o assunto.”
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Inclusão
Psiconcologista e presidente do Instituto Oncoguia, Luciana Holtz aconselha que todos os pais façam como Debbie Watters e conversem com os filhos sobre o câncer, por mais doloroso que pareça o processo. “O câncer ainda gera um impacto grande nas pessoas. As primeiras palavras que vêm à cabeça são morte e sofrimento”, reconhece. “Tenho muitos pacientes que escondem de todo mundo. Mas isso gera uma solidão enorme. Os que optam por compartilhar com a família se sentem melhor”, diz.
De acordo com a terapeuta, esconder a doença da criança pode fazer com que os pequenos se sintam excluídos e mesmo culpados. A oncologista Luci Ishii, presidente da Associação Brasiliense de Apoio ao Paciente com Câncer (Abac Luz), concorda. “A criança pode fantasiar. Já teve um caso que uma menina pensou que o cabelo da mãe tinha caído por causa dela. Ela disse: ‘Fiquei com raiva da minha mãe porque ela não me deu um doce e eu torci para acontecer uma coisa ruim com ela’”, relata a médica.
Luciana Holtz recomenda que os pais falem a verdade com os filhos e com toda a comunidade que os cerca, principalmente os professores. A especialista explica que não é preciso entrar em detalhes com as crianças, mas contar a elas que há uma doença na família e quais as consequências que virão. “A mãe pode dizer que está doente, por isso vai tomar remédio, que o cabelo vai cair, mas vai crescer depois. Tem crianças que pedem para a mãe usar peruca, outras pedem para não usar porque gostam de passar a mão na cabeça da mãe”, conta a psiconcologista.

A cirurgia e o tratamento foram feitos na capital paulista. No dia da operação, ela pediu que o marido levasse as crianças ao hospital para explicar a elas o que estava acontecendo. “Nunca menti para os meus filhos. Falei: ‘A mamãe está dodói e vai fazer um tratamento longo’”, conta. Quando teve início a quimioterapia, os cabelos de Ana Paula começaram a despencar. “Eu já estava preparada para isso. Raspei a cabeça e coloquei uma peruca igualzinha”, diz. Os filhos, porém, não sabiam que ela estava careca. “Enganá-los estava me dando muita agonia. Eu sempre tive liberdade total com eles e nunca tranquei a porta do banheiro mas, por causa da peruca, tinha de trancar quando tomava banho. E eles ficavam perguntando o porquê”, relata.
Um dia, a empresária resolveu chamar os dois para uma conversa franca. “Expliquei que, para ficar boa, tive de fazer um tratamento e que por causa dele o cabelo caiu. Mas também lembrei que ia crescer de novo”, conta. Quando tirou o turbante, Suewa ficou com os olhos cheios de lágrima. “Eu disse a ela que a mamãe não estava linda, mas que o cabelo ia voltar.” A resposta do filho mais velho foi surpreendente. “Ele me disse: ‘Você está linda igual a antes’. Desabei de chorar”, recorda Ana Paula. Assim como Debbie Watters, quando terminou o tratamento e viu o cabelo voltar a crescer, a empresária fez uma festa.
Aceitação
A presidente da Abac Luz diz que o maior medo das mulheres que têm câncer é justamente perder o cabelo. “Por isso, é importante lembrá-las que a queda não é definitiva, é algo temporário”, diz. Segundo a oncologista, os fios caem durante a quimioterapia porque a função desse tratamento é destruir as células de rápido crescimento — como as do câncer. Como o cabelo também tem crescimento acelerado, as células capilares são afetadas. Porém, ao fim das sessões, ele volta a nascer normalmente.
“A aceitação da paciente é muito importante, e isso acontece quando o médico explica direitinho o que vai acontecer. Algumas pessoas aceitam bem a peruca, outras preferem amarrar com lenços e echarpes ou usar um chapeuzinho. Isso melhora a autoestima”, diz Luci Ishii. Segundo a médica, enfrentar o período com bom humor vai ajudar a paciente e a família. “Em relação às crianças, elas costumam aceitar muito bem. É importante falar. Tive pacientes cujos filhos não sabem até hoje que as mães sofreram de câncer. Mas a sinceridade é essencial para a própria aceitação”, diz.
Há 10 anos, a professora Vilzenir Ferreira, 55, descobriu que tinha câncer de mama. Na época, os filhos eram adolescentes: 13, 14 e 15 anos. “Fui muito clara com eles. Conversei muito e os preparei. Falei que ia fazer quimio e radioterapia e que meu cabelo ia cair”, conta. Quando a queda começou, ela passou máquina zero na cabeça. “Sou muito católica e lembrava que Deus ia dar meu cabelo de volta”, afirma Vilzenir. Com o apoio dos filhos e dos amigos, a recuperação foi mais fácil. “Todos ajudaram muito. Não se pode omitir nada, a transparência é parte fundamental do tratamento”, afirma a professora, que já está curada do tumor.
Autor: Paloma Oliveto
Fonte: Correio Braziliense
3 comentários:
eu passei a maquina no meu cabelo diante das minhas filhas,nunca escondi nada...........
na epoca tinam 9 e 5 anos
beijos
Acho que a sinceridade com a família é muito importante, pois eles estarão junto de nós. Logo que soube contei ao meu filho, ele participa de todo meu tratamento. Muito boa sua postagem, ajuda a tirar esse estigma que o cancer tem. Bom domingo para vc! Um abraço bem apertado!
Eu também passei a maquininha no cabelo,minha filha já sabia de tudo o que iria acontecer desde o meu diagnóstico quando contei tudo a ela, então ela já estava esperando, quando o cabelo começou a cair ela ajudava a puxar, e saia aos montes ,dai toda a turma, sobrinhas, filha, mãe, pai estavam do meu lado quando pedi a um primo pra passar a maquininha pra mim.Depois ja coloquei uma peruca.O mais lindo foi que minha filha me disse que eu continuava linda mesmo careca e me abraçou, ela tem 11 anos ,isso me fez chorar e abraça-la também bem apertado.
Um beijo,
gostei da reportagem.
Renata
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